Arte
é testemunho espiritual. E como tal, quase sempre reflete a realidade de uma
sociedade ou de um grupo em determinada época. Sempre foi assim e isto se torna
mais evidente com o passar dos anos, quando além do valor artístico é
incorporado também o valor do tempo sobre a obra.
Parece
que estamos vivendo a era da loucura, da incompreensão humana pela
desintegração da linguagem e pelo excesso de informação. E é justamente isto,
resultado da perturbação social, que se vê em diversas exposições de arte
contemporânea no Brasil, incluindo a famosa bienal de arte de SP: obras que
pouco ou nada dizem por si só, trabalhos fuleiros e de mau gosto feitos com
materiais diversificados e inusitados, organizados em salas enormes e instalações
montadas sem nenhum conteúdo, vazias de criatividade. Este tipo de arte, grosso
modo, se comparado com formas artísticas anteriores ao que se denomina
“contemporâneo” chega a ser bizarro, ofensivo e desestimulante.
O
que deseja o artista contemporâneo nas artes plásticas e visuais? Provocar o
espectador a partir da alienação do que possa ser nossa sociedade? Debochar do
espaço museológico com suas intervenções descontextualizadas e fora de órbita,
em que é preciso a presença de um monitor ou de um texto para explicar que o
que se vê é arte? Afinal, há a necessidade de se demarcar conceitualmente o que venha a ser arte
contemporânea para não cairmos na ingênua impressão de que é tudo o que se
produz na atualidade.
Arte
é fazer, é ação, mas é também técnica, maestria e, sobretudo, criatividade que inspira algo
novo. Que nos leva a querer criar e que transforma nosso olhar direcionando nossa
percepção para, no mínimo, apreciarmos o que é mostrado. Afora nomes consolidados
nas artes plásticas, alguns dos quais são citados no fim deste texto,
e eventuais artistas que surgem no campo da música, da dança e do cinema em
exposições e eventos culturais, a arte brasileira de nosso tempo parece andar em
acentuada crise porque, também, se mostra impregnada de interesses difusos e meramente
mercadológicos.
Desde
o fim dos grandes movimentos que contestavam escolas de arte anteriores e
propunham uma produção de vanguarda, o que se vê na arte contemporânea é uma espécie
de “vale-tudo”, em que o artista não se compromete com qualquer valor estético
e se pauta na imitação de produções de artistas que um dia foram transgressores
do tempo.
Por
outro lado, nunca se viu tanta especulação e show business na arte como se vê
atualmente. Num universo infindo de opiniões e palpites é difícil, quase
impossível, chegarmos a uma síntese coerente do que possa ser a “arte” que é exposta
em espaços públicos e privados, dada também a tamanha e distinta produção
apresentada. Será que arte contemporânea se trata realmente da “arte cotidiana”
capaz de chocar, de chamar a atenção pelo escândalo, seja pondo em pauta, por
exemplo, símbolos religiosos ou personalidades políticas em situações controversas dentro de um espaço
expositivo e/ou ainda, o mais comum, designando o feitio como “obra de arte”?
Assim,
cria-se e na impossibilidade da produção dizer algo por si só, explica-se o
contexto e o que significa. Contudo, é uma arte efêmera, que apesar de não se
esgotar nela mesma enquanto objeto, é descartável. Em muitos casos fica o registro fotográfico ou midiático
para as gerações futuras. Não é uma produção morta por completo. E isto não
deixa de ser uma boa estratégia para os curadores, pois em exposições de artes sem
quadros e esculturas interessantes boas fotografias quase sempre as salvam.
A
crise na arte contemporânea é, também, reflexo da crise da sociedade e do
mundo atual, do próprio modo de produção capitalista embasado no consumismo
desenfreado, na superficialidade rápida das relações humanas e na globalização
dos gostos. Procura-se a partir da ausência de força criativa e na trama da
complexidade, atribuir à arte a função da filosofia ou da ciência, embora toda
produção ou expressão artística carregue em si um viés para tal. Mistura-se na
explicação do objeto um pouco de poesia, chegando assim a uma linguagem poética
e obtendo um certo ar de humanidade. Desta forma, é peremptório exercitar a
percepção e a subjetividade antes de se arriscar a sair de casa para visitar
uma exposição de arte contemporânea no Brasil sob o risco de não sentir
absolutamente nada diante do trabalho exposto.
Pode-se
dizer que há arte em toda produção humana, especialmente se passarmos a olhar
o mundo com um “olhar artístico” e “romântico”. Amarrar o cadarço de um sapato,
dar um nó na gravata, escovar os dentes, lavar a louça e colocá-la para secar,
passar roupa, arrumar a casa, pôr uma toalha e um vaso de flores sobre a mesa são, de
certa forma, uma arte. Expressões diárias que, se conscientes e levadas para um
museu, são capazes de ganhar o adjetivo “contemporâneo”.
A impressão que se tem é que hoje em dia não é necessário ter talento para produzir arte contemporânea e ganhar evidência, a exemplo do que se tem visto nas últimas
bienais de arte e mais recentemente nas feiras. Basta que o operário seja
designado e reconhecido por certo grupo ou meio social, nem sempre questionador,
em que a produção será vista ou vendida, no caso das feiras e também das galerias.
Se o artista estiver na mídia e alcançar um bom preço de mercado, a receita de
sucesso está garantida. No universo colecionista há certo “encanto” em artistas
que têm suas obras vendidas por uma fortuna. O que não deve excluir o papel da
crítica no sentido de questionar a originalidade, a inovação e a relevância da
produção em longo prazo e, principalmente, analisá-la à luz do contexto
histórico, econômico, político e social. Algo que raramente acontece.
Para
que servem aquelas coisas com rótulo de “arte contemporânea” expostas ao
público? Para nos livrarmos da dura realidade corriqueira? Para nos estimularmos na busca
sensível pela humanidade do ser? Para protestar? Para refletirmos sobre o que é
arte? Ou ainda, para nada? Porque se neste último caso for, como imaginam algumas pessoas, a arte mostrada pode
não ser expressão autêntica da alma e não valerá a pena perder tempo dentro de
uma exposição.
Porém,
nem tudo é desolador. É possível gostar de arte contemporânea desde que
reconheçamos seu significado e a destreza do artista. É imperativo sentir a obra de alguma maneira. Seria injusto deixar de
lado as exceções, muito bem representadas inclusive no âmbito internacional e
generalizar a partir do que é levado para espaços oficiais de exposições Brasil
afora. Há bastante coisa sendo produzida por artistas anônimos e que não é mostrada,
bem como produções sendo (re)descobertas e incorporadas no âmbito das artes plásticas
na contemporaneidade. Além dos já comentados e reconhecidos pela massa crítica atual.
Do
lixo ao luxo no Brasil podem ser citados os interessantes trabalhos de Vik
Muniz e as esculturas de madeira calcinada de Frans Krajcberg. Na pintura
merecem ser mencionadas as telas com formas de seres mitológicos e encantados
criadas a partir dos movimentos fluidos da tinta de Ed Ribeiro; a força
plástica e vitalidade das obras de Siron Franco, Adriana Varejão, Emanoel
Araújo, Sidnei Lizardo, Leonel Mattos, Zélio Pinto, Manabu Mabe, Yugo Mabe, Guilherme de Faria, Antônio Henrique Amaral, Vânia Mignone; Os desenhos de
Aldemir Martins, Regina Silveira, Wesley Duke Lee, Leila Pugnaloni, Paulo Monteiro; as instalações de Cildo
Meireles, dentre outros.
Por
fim, no intuito de estimular o pensamento acerca do sistema de arte que nos
cerca, resta ainda nos perguntar: o que permanecerá como característica de nosso tempo no campo das artes? O que virá depois?