RESUMO
O presente trabalho
discorre sobre o processo de formação do patrimônio no Brasil a partir das
primeiras instituições e legislações, apontando suas particularidades, bem como
apresenta algumas referências consagradas que, no entanto, necessitam ainda ser
adaptadas para o contexto brasileiro. A ideia de patrimônio é sempre construída
e incorpora diversos atores, lutas sociais e interesses nos processos de
proteção. Desta forma, busca-se também compreender a relação entre cultura,
patrimônio e educação como formas de reconhecimento e apropriação coletiva do
espaço.
Palavras-chave:
patrimônio cultural; preservação do patrimônio; educação patrimonial.
INTRODUÇÃO
Data de 1937 a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) pela Lei Federal 378/37. O artigo 46 da mencionada lei, criada a partir de um projeto de Mário de Andrade e outros modernistas, estabelece a finalidade do órgão que, em 1946, passou a ser chamado Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e posteriormente, por meio do Decreto 6967/70, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), de promover de modo permanente o tombamento, a conservação, o enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional (BRASIL, 1937a).
Naquela mesma década foi criado o Decreto-Lei 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelecendo em seu artigo 1º a composição do conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, por vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil ou por seu excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico e/ou artístico (BRASIL, 1937b), cujas funções são cadastrar, tombar e restaurar bens de valor histórico, artístico, arquitetônico, documental, paisagístico e arqueológico em nível nacional.
Na origem do IPHAN predomina um discurso construído acerca da ideia de patrimônio, afirmado pelo papel dos modernistas e recentemente tratado por Chuva (2011). Na ocasião havia uma disputa entre os modernistas e os chamados neocoloniais na construção das ideias e dos discursos de criação patrimonial. Ambas as vertentes possuíam em comum a ênfase na ideia da construção de uma identidade brasileira. O barroco – mormente o barroco ostensivo das cidades históricas de Minas Gerais - foi um elemento-chave na construção do patrimônio, mas a imitação e a repetição dos neocoloniais foram dando lugar a uma antropofagia sugerida pelos modernos e que, recriando e respeitando sua essência, deram uma nova releitura na construção da identidade nacional. Por conta da afeição do então ministro da educação Gustavo Capanema pelo ideário moderno, é vencida a batalha de reafirmação do discurso de patrimônio pelos modernistas Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Na prática, a disputa pela criação do discurso de patrimônio se define com a construção do Palácio Capanema no Rio de Janeiro, sede do Ministério da Educação e Cultura, que logo em seguida é tombado, e com a decisão do ministro por um projeto moderno, já apontando a linha de pensamento dos modernistas. Começam a se destacar os projetos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Desta forma, são construídas as narrativas que passam a dar o tom da ideia de patrimônio no Brasil. Não se trata, no entanto, de se crer numa hegemonia total do processo por parte dos modernos, mas sim, e principalmente, do fato de que foi oportuna na ocasião a criação de um discurso sobre a história do patrimônio.
Nesse contexto, a arquitetura eclética, símbolo da República Velha e de um Brasil agrário com cidades que valorizavam o estrangeirismo, passa a ser descartada, destruída para dar lugar ao novo. Para os modernistas a influência do estrangeiro não interessava e, desta maneira, construções ecléticas não entraram na lista do que deveriam ser preservado como patrimônio. O ecletismo foi considerado uma espécie de “hiato” na arquitetura brasileira.
Cabe destacar em todo esse processo a relação dos modernistas com o Estado-Novo e com a busca da identidade nacional que o então regime de Getúlio Vargas almejava. É no Estado-Novo que é construída a ideia de que a cultura iria unificar as massas e, consequentemente, a noção de unidade territorial alicerçada no ideário de patrimônio nacional. No entanto, tal cultura era a da elite formada por brancos, católicos, com heróis que não representavam a maioria da população.
Mário de Andrade concebia o patrimônio a partir da ideia de patrimônio artístico, ou seja, a partir das artes. E desta forma cria categorias para os diferentes tipos de manifestações artísticas com base em sua definição de arte. São estabelecidas a arte erudita, a arte popular, a arte indígena, dentre outras tipologias. Com base nisto é pensado o patrimônio como um conjunto de bens artísticos. O anteprojeto de lei de Mário de Andrade é tido naquela época como inviável e Rodrigo Melo Franco de Andrade reelabora esse importante documento balizador das políticas e práticas de preservação patrimonial. O que ocorre, de fato, é uma incorporação da legislação francesa de proteção do patrimônio ao nosso sistema jurídico. Isto tem gerado tensões até hoje entre o Decreto-Lei 25/37 e a Constituição Federal devido às ambas concepções de patrimônio.
Se por um lado, conforme mencionado anteriormente, tal decreto, ao definir que patrimônio histórico e artístico nacional é formado por um conjunto de fatos memoráveis a história do Brasil e ligado ao valor excepcional arqueológico, etnográfico e artístico, por outro, despreza o pitoresco, o simplório e o banal que por sua vez, não está ligado a tais valores excepcionais. No decreto é necessário que o fato memorável na história apareça e legitime o conjunto do que deve ser patrimônio nacional. Um aspecto que merece atenção é a destruição da paisagem vernacular ocorrida por meio da pressão exercida pela lógica do mercado imobiliário de tornar homogênea a paisagem. Destrói-se a arquitetura pitoresca simples, ou seja, as casas humildes, que é na realidade o que mais se tem no Brasil.
Todavia, essa ideia de excepcionalidade como requisito para constituir patrimônio é colocada em xeque na década de 1970. Rodrigues (2000) cita que a legislação trazida da França e adaptada por Rodrigo Melo Franco de Andrade é marcada por uma realidade que não era a brasileira. O problema está no fato de que a França criou sua legislação de proteção do patrimônio a partir da Revolução Francesa. Os bens da coroa que eram confiscados pelo governo revolucionário e que passavam a fazer parte do patrimônio do Estado, ou seja, do povo, precisaram ser protegidos por legislação específica. Isso no Brasil é refletido na priorização de tombamento e proteção em grande parte de bens como igrejas, sedes de fazendas, engenhos etc. (SCIFONI, 2013). Em outras palavras, a ideia de patrimônio histórico no Brasil está ligada à ideia de patrimônio francês do século XVIII, calcada nas noções de monumento e monumento histórico.
As terminologias “monumento” e “monumento histórico”, embora possam parecer sinônimas, necessitam ser esclarecidas a fim de não gerar distorções conceituais. De acordo com Choay (2001), o monumento está presente em todas as sociedades desde as mais primitivas. É criado para marcar a memória e não possui necessariamente uma característica estética. É, por exemplo, uma pequena capela de tijolo à beira de uma estrada, construída para marcar o local de um acidente de carro. Já o monumento histórico não é feito para lembrar, mas é dado, pois já existe e, a partir disto, agrega a função da lembrança. É o caso, por exemplo, do Coliseu em Roma, que não foi construído para marcar a memória, mas que por possuir um uso específico e ter uma característica histórica, remete à Antiguidade Clássica italiana e foi assim considerado pela igreja no Renascimento. Com características estéticas, é acrescentada a esta última terminologia o adjetivo “artístico”. A ideia de monumento histórico e artístico do Renascimento vai, então, se transformando na França na ideia de monumento histórico nacional. Choay (2001), aprofundando o debate geográfico, técnico e metodológico, aponta que um monumento histórico não pode ser isolado do contexto da cidade, da arquitetura maior e de seu entorno.
Data de 1937 a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) pela Lei Federal 378/37. O artigo 46 da mencionada lei, criada a partir de um projeto de Mário de Andrade e outros modernistas, estabelece a finalidade do órgão que, em 1946, passou a ser chamado Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e posteriormente, por meio do Decreto 6967/70, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), de promover de modo permanente o tombamento, a conservação, o enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional (BRASIL, 1937a).
Naquela mesma década foi criado o Decreto-Lei 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelecendo em seu artigo 1º a composição do conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, por vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil ou por seu excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico e/ou artístico (BRASIL, 1937b), cujas funções são cadastrar, tombar e restaurar bens de valor histórico, artístico, arquitetônico, documental, paisagístico e arqueológico em nível nacional.
Na origem do IPHAN predomina um discurso construído acerca da ideia de patrimônio, afirmado pelo papel dos modernistas e recentemente tratado por Chuva (2011). Na ocasião havia uma disputa entre os modernistas e os chamados neocoloniais na construção das ideias e dos discursos de criação patrimonial. Ambas as vertentes possuíam em comum a ênfase na ideia da construção de uma identidade brasileira. O barroco – mormente o barroco ostensivo das cidades históricas de Minas Gerais - foi um elemento-chave na construção do patrimônio, mas a imitação e a repetição dos neocoloniais foram dando lugar a uma antropofagia sugerida pelos modernos e que, recriando e respeitando sua essência, deram uma nova releitura na construção da identidade nacional. Por conta da afeição do então ministro da educação Gustavo Capanema pelo ideário moderno, é vencida a batalha de reafirmação do discurso de patrimônio pelos modernistas Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Na prática, a disputa pela criação do discurso de patrimônio se define com a construção do Palácio Capanema no Rio de Janeiro, sede do Ministério da Educação e Cultura, que logo em seguida é tombado, e com a decisão do ministro por um projeto moderno, já apontando a linha de pensamento dos modernistas. Começam a se destacar os projetos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Desta forma, são construídas as narrativas que passam a dar o tom da ideia de patrimônio no Brasil. Não se trata, no entanto, de se crer numa hegemonia total do processo por parte dos modernos, mas sim, e principalmente, do fato de que foi oportuna na ocasião a criação de um discurso sobre a história do patrimônio.
Nesse contexto, a arquitetura eclética, símbolo da República Velha e de um Brasil agrário com cidades que valorizavam o estrangeirismo, passa a ser descartada, destruída para dar lugar ao novo. Para os modernistas a influência do estrangeiro não interessava e, desta maneira, construções ecléticas não entraram na lista do que deveriam ser preservado como patrimônio. O ecletismo foi considerado uma espécie de “hiato” na arquitetura brasileira.
Cabe destacar em todo esse processo a relação dos modernistas com o Estado-Novo e com a busca da identidade nacional que o então regime de Getúlio Vargas almejava. É no Estado-Novo que é construída a ideia de que a cultura iria unificar as massas e, consequentemente, a noção de unidade territorial alicerçada no ideário de patrimônio nacional. No entanto, tal cultura era a da elite formada por brancos, católicos, com heróis que não representavam a maioria da população.
Mário de Andrade concebia o patrimônio a partir da ideia de patrimônio artístico, ou seja, a partir das artes. E desta forma cria categorias para os diferentes tipos de manifestações artísticas com base em sua definição de arte. São estabelecidas a arte erudita, a arte popular, a arte indígena, dentre outras tipologias. Com base nisto é pensado o patrimônio como um conjunto de bens artísticos. O anteprojeto de lei de Mário de Andrade é tido naquela época como inviável e Rodrigo Melo Franco de Andrade reelabora esse importante documento balizador das políticas e práticas de preservação patrimonial. O que ocorre, de fato, é uma incorporação da legislação francesa de proteção do patrimônio ao nosso sistema jurídico. Isto tem gerado tensões até hoje entre o Decreto-Lei 25/37 e a Constituição Federal devido às ambas concepções de patrimônio.
Se por um lado, conforme mencionado anteriormente, tal decreto, ao definir que patrimônio histórico e artístico nacional é formado por um conjunto de fatos memoráveis a história do Brasil e ligado ao valor excepcional arqueológico, etnográfico e artístico, por outro, despreza o pitoresco, o simplório e o banal que por sua vez, não está ligado a tais valores excepcionais. No decreto é necessário que o fato memorável na história apareça e legitime o conjunto do que deve ser patrimônio nacional. Um aspecto que merece atenção é a destruição da paisagem vernacular ocorrida por meio da pressão exercida pela lógica do mercado imobiliário de tornar homogênea a paisagem. Destrói-se a arquitetura pitoresca simples, ou seja, as casas humildes, que é na realidade o que mais se tem no Brasil.
Todavia, essa ideia de excepcionalidade como requisito para constituir patrimônio é colocada em xeque na década de 1970. Rodrigues (2000) cita que a legislação trazida da França e adaptada por Rodrigo Melo Franco de Andrade é marcada por uma realidade que não era a brasileira. O problema está no fato de que a França criou sua legislação de proteção do patrimônio a partir da Revolução Francesa. Os bens da coroa que eram confiscados pelo governo revolucionário e que passavam a fazer parte do patrimônio do Estado, ou seja, do povo, precisaram ser protegidos por legislação específica. Isso no Brasil é refletido na priorização de tombamento e proteção em grande parte de bens como igrejas, sedes de fazendas, engenhos etc. (SCIFONI, 2013). Em outras palavras, a ideia de patrimônio histórico no Brasil está ligada à ideia de patrimônio francês do século XVIII, calcada nas noções de monumento e monumento histórico.
As terminologias “monumento” e “monumento histórico”, embora possam parecer sinônimas, necessitam ser esclarecidas a fim de não gerar distorções conceituais. De acordo com Choay (2001), o monumento está presente em todas as sociedades desde as mais primitivas. É criado para marcar a memória e não possui necessariamente uma característica estética. É, por exemplo, uma pequena capela de tijolo à beira de uma estrada, construída para marcar o local de um acidente de carro. Já o monumento histórico não é feito para lembrar, mas é dado, pois já existe e, a partir disto, agrega a função da lembrança. É o caso, por exemplo, do Coliseu em Roma, que não foi construído para marcar a memória, mas que por possuir um uso específico e ter uma característica histórica, remete à Antiguidade Clássica italiana e foi assim considerado pela igreja no Renascimento. Com características estéticas, é acrescentada a esta última terminologia o adjetivo “artístico”. A ideia de monumento histórico e artístico do Renascimento vai, então, se transformando na França na ideia de monumento histórico nacional. Choay (2001), aprofundando o debate geográfico, técnico e metodológico, aponta que um monumento histórico não pode ser isolado do contexto da cidade, da arquitetura maior e de seu entorno.
PATRIMÔNIO
CULTURAL E SUA INSERÇÃO NA GESTÃO URBANA
Por
possuir natureza desigual, o patrimônio necessita ser visto não como um
universo totalizador, mas como um campo formado por situações e sujeitos
diversos. É preciso entender como os atores estão inseridos nesse contexto e
pensar qual é a função do patrimônio na gestão urbana da política da cidade. Scarlato
e Costa (2013) enfatizam que o patrimônio urbano deve ser tratado à luz de uma
teoria da urbanização com enfoque metodológico de totalidades e totalizações.
De
acordo com Silva (2011), a gestão urbana na atualidade anda no sentido da
revitalização da cidade e tem como objetivo intervir sem destruir, sendo que o
tema de revalorização de centros históricos tem sido uma das grandes motivações
das experiências urbanísticas recentes no cenário internacional.
Jeudy
(2005) esclarece que as estratégias de conservação do patrimônio são
caracterizadas por um processo de reflexividade, dando-lhe sentido e
finalidade, e destacando que para existir patrimônio reconhecível é necessário
que ele possa ser gerado e que a sociedade se veja nesse contexto, considerando
seus objetos, seus locais, seus monumentos, sua história e sua cultura. Por
meio do patrimônio, são criadas formas de representação do passado que justificam
valores e fundamentam as relações sociais atuais, permitindo a composição de
imagens que sustentam identidades coletivas e individuais (RODRIGUES, 2000).
Generalizar
o patrimônio como se fosse homogêneo reforça as contradições e não contribui
para o aprofundamento da questão. O patrimônio é parte da cultura. No entanto,
a questão da centralidade da cultura tratada por Arantes et al. (2000),
iniciada nos anos 1990 em países avançados como França, Alemanha e Espanha,
deve ser vista com ressalva ao ser usada para se referir ao Brasil, pois além
de ser uma discussão externa, pode não corresponder à realidade brasileira com
tantos nuances.
Choay
(2001) trata da Europa e da França em sua obra clássica “A alegoria do
patrimônio”. Devido à chamada inflação patrimonial, nos anos 1960 e 1970 há uma
generalização do patrimônio relacionada com a mundialização da ideia de
incorporação de um modelo de convenção. Os bens culturais passam a ter
interesses como referências de identidades e simultaneamente aproximam a noção
de mercadoria ao associar tais referências às possibilidades de consumo (MOTTA,
2000). Muita coisa vira patrimônio na Europa nessa época.
Harvey
(1992) menciona a indústria da herança em sua obra “Condição pós-moderna” para
se referir, na Inglaterra de 1970, às reabilitações de construções antigas, a
uma grande abertura de museus nos anos 1990 e a construção de casas novas com
aspecto de antigas. A centralidade da cultura sinalizada por esses aspectos
atribui ao passado uma importância primordial para o mercado imobiliário.
Arantes
et al. (2000) considera inquestionável o reconhecimento privado de que o
patrimônio é uma prioridade. Além da literatura estrangeira que vem servindo de
suporte para as análises de casos brasileiros, percebe-se que o patrimônio e a
cultura emergem como verdadeiras âncoras para atrair investimentos estrangeiros
para as cidades. Há um papel preponderante da gestão cultural nesse novo
receituário de planejamento territorial. Ou seja, no planejamento a cultura é
fundamental. É uma forma de dinamizar a economia das cidades. E assim os
municípios passam a recuperar seu patrimônio e a transformá-lo em equipamentos
públicos de educação. Choay (2001), citando os exemplos de Paris, Lisboa,
Barcelona, dentre outros, mostra que de um lado instaura-se a animação cultural
e do outro uma nova arquitetura pós-moderna capaz de atrair investimentos como
instituições financeiras, negócios e arquitetura onipotente. Aplicar esse
arcabouço teórico aos casos de São Paulo e do Rio de Janeiro deixa a clara
impressão da não vivência de realidades diferentes como as do Brasil.
PATRIMÔNIO
NATURAL, LUTAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO BRASIL
Existe
certa incompreensão do que venha a ser patrimônio natural devido à existência
de outras categorias existentes na legislação brasileira. Segundo Ab’Saber
(1987), o fundamento para entender o patrimônio natural reside na relação
natureza e sociedade. Trata-se de um desdobramento que surge na discussão do
patrimônio cultural. Muito desse debate é realizado na década de 1980 e grande
parte da bibliografia se refere ao patrimônio natural de modo superficial e não
explícito, gerando certa confusão ao generalizar os termos como se fossem uma
coisa só.
Anteriormente ao uso do termo “patrimônio natural” se falava em “patrimônio arqueológico”. Mais tarde surgiu a necessidade de se falar em “patrimônio das cidades históricas” e ainda mais recentemente em “patrimônio imaterial”. Quando se fala em patrimônio natural deve-se entender que implicitamente o termo se refere a uma visão que se tem de natureza e esta, por sua vez, pode ser entendida como parte da cultura. Homem e natureza estão relacionados, embora cultura e natureza possuam significados distintos. No Decreto 25/37 a natureza é representada pela expressão “monumento natural”.
Ademais, nem todo objeto existente na natureza e nem todo objeto encontrado na cultura pode se tornar patrimônio. A seleção do que virá a ser foco de proteção é feita pelos grupos sociais de acordo com a importância que é dada ao objeto. Quando a natureza e os objetos são apropriados pela memória humana têm-se as bases para que tais grupos decidam se vão preservar. Esta é a ideia verdadeira de patrimônio.
O patrimônio é algo que pertence às pessoas e é por meio das lutas sociais e dos engajamentos que ocorrem as ações de proteção e as possibilidades de outras paisagens na cidade. Se tal bairro, por exemplo, representa a memória coletiva e vem passando por transformações constantes por parte da propriedade privada que modificam sua feição, pode ser que aconteçam lutas populares pelos chamados “espaços residuais” (SEABRA, 2004). E para isso existem os instrumentos legais de proteção, como o tombamento, que garante a preservação desde que o bem seja conservado e monitorado pelos órgãos gestores. Em todo caso, faz-se necessário conhecer quais são os sujeitos da preservação e quais interesses são defendidos em cada processo.
O termo “educação patrimonial” abrange um campo ainda não consolidado e em construção no Brasil. É mais uma questão prática do que teórica e do ponto de vista acadêmico, necessita de discussões mais robustas fundamentadas, sobretudo, na capacidade de criação de ações renovadoras. É preciso pensar conceitos e trilhar novos caminhos nesse campo de uma maneira sistêmica e interdisciplinar, pois o termo ainda é repleto de fraturas e cada profissional vem trabalhando com uma abordagem própria. Mesmo no IPHAN há disputa entre campos da educação patrimonial, um mais conservador e outro mais renovador.
O termo surgiu no Brasil a partir de um guia do Museu Imperial de Petrópolis com o título Educação Patrimonial traduzido do inglês, de autoria de Horta (1983), resultado de um estágio feito pela autora num museu da Inglaterra na década de 1980. Tal guia é apresentado como uma metodologia trazendo a alcunha de educação patrimonial. Embora o guia tenha sido publicado pelo IPHAN com o título “Educação Patrimonial”, tal termo e metodologia, trazidos de fora, não ficaram imunes às críticas intelectuais. Apesar do termo surgir em 1983 no Museu Imperial com essa publicação, a preocupação com a relação entre patrimônio cultural e educação já vinha sendo discutida e tratada por atividades educativas desde o século XIX. A ideia de uma educação patrimonial coloca o patrimônio na centralidade do mundo, quando na verdade a educação deve ser feita para as pessoas. A realidade é o sujeito e a relação entre patrimônio e sujeito foi tratada por Paulo Freire e Anísio Teixeira antes do termo se generalizar como educação patrimonial, como bem lembra Chagas (2006) em sua crítica à adjetivação da educação. Para Chagas, a educação patrimonial não é uma metodologia como diz a autora, mas comporta uma metodologia.
No âmbito do IPHAN a conexão entre educação e patrimônio continua a ser tratada por meio do termo educação patrimonial. Se a expressão começou no museu é necessário considerar que atualmente está além, com uma multiplicidade de ações educativas que utilizam o patrimônio como elemento de mediação.
A luta pelo direito à memória, ao espaço e à cidade deve ser de todos. É preciso atender as demandas sociais entendendo que o patrimônio é das pessoas e considerando o que estas têm a dizer. Do ponto de vista da apropriação do espaço, as lutas e os movimentos têm mostrado que grupos sociais não raramente entram em choque com a lógica de proteção do espaço. Isto porque muitas vezes os sujeitos da preservação são uma elite que reproduz a lógica do capital.
Scifoni (2013) aponta que no Brasil algumas experiências de preservação têm-se apresentado como fruto de ações estadistas, mas que contraditoriamente, também é resultado de construções sociais a partir da organização e pressão de determinados grupos sociais que tiveram êxito na inserção de seus bens e suas memórias nesse conjunto.
A partir dos anos 2000 o IPHAN busca uma democratização do patrimônio com a criação de novos instrumentos e publicações, ao passo que na década anterior este órgão foca os esforços de proteção no que é monumental. Apesar de haver a necessidade de continuidade das ações, é evidente a lacuna no que se refere a um estudo sistemático das ações do IPHAN e das secretarias de cultura. É necessário conhecer os processos, debater e verificar como se dá a articulação das decisões.
Anteriormente ao uso do termo “patrimônio natural” se falava em “patrimônio arqueológico”. Mais tarde surgiu a necessidade de se falar em “patrimônio das cidades históricas” e ainda mais recentemente em “patrimônio imaterial”. Quando se fala em patrimônio natural deve-se entender que implicitamente o termo se refere a uma visão que se tem de natureza e esta, por sua vez, pode ser entendida como parte da cultura. Homem e natureza estão relacionados, embora cultura e natureza possuam significados distintos. No Decreto 25/37 a natureza é representada pela expressão “monumento natural”.
Ademais, nem todo objeto existente na natureza e nem todo objeto encontrado na cultura pode se tornar patrimônio. A seleção do que virá a ser foco de proteção é feita pelos grupos sociais de acordo com a importância que é dada ao objeto. Quando a natureza e os objetos são apropriados pela memória humana têm-se as bases para que tais grupos decidam se vão preservar. Esta é a ideia verdadeira de patrimônio.
O patrimônio é algo que pertence às pessoas e é por meio das lutas sociais e dos engajamentos que ocorrem as ações de proteção e as possibilidades de outras paisagens na cidade. Se tal bairro, por exemplo, representa a memória coletiva e vem passando por transformações constantes por parte da propriedade privada que modificam sua feição, pode ser que aconteçam lutas populares pelos chamados “espaços residuais” (SEABRA, 2004). E para isso existem os instrumentos legais de proteção, como o tombamento, que garante a preservação desde que o bem seja conservado e monitorado pelos órgãos gestores. Em todo caso, faz-se necessário conhecer quais são os sujeitos da preservação e quais interesses são defendidos em cada processo.
O termo “educação patrimonial” abrange um campo ainda não consolidado e em construção no Brasil. É mais uma questão prática do que teórica e do ponto de vista acadêmico, necessita de discussões mais robustas fundamentadas, sobretudo, na capacidade de criação de ações renovadoras. É preciso pensar conceitos e trilhar novos caminhos nesse campo de uma maneira sistêmica e interdisciplinar, pois o termo ainda é repleto de fraturas e cada profissional vem trabalhando com uma abordagem própria. Mesmo no IPHAN há disputa entre campos da educação patrimonial, um mais conservador e outro mais renovador.
O termo surgiu no Brasil a partir de um guia do Museu Imperial de Petrópolis com o título Educação Patrimonial traduzido do inglês, de autoria de Horta (1983), resultado de um estágio feito pela autora num museu da Inglaterra na década de 1980. Tal guia é apresentado como uma metodologia trazendo a alcunha de educação patrimonial. Embora o guia tenha sido publicado pelo IPHAN com o título “Educação Patrimonial”, tal termo e metodologia, trazidos de fora, não ficaram imunes às críticas intelectuais. Apesar do termo surgir em 1983 no Museu Imperial com essa publicação, a preocupação com a relação entre patrimônio cultural e educação já vinha sendo discutida e tratada por atividades educativas desde o século XIX. A ideia de uma educação patrimonial coloca o patrimônio na centralidade do mundo, quando na verdade a educação deve ser feita para as pessoas. A realidade é o sujeito e a relação entre patrimônio e sujeito foi tratada por Paulo Freire e Anísio Teixeira antes do termo se generalizar como educação patrimonial, como bem lembra Chagas (2006) em sua crítica à adjetivação da educação. Para Chagas, a educação patrimonial não é uma metodologia como diz a autora, mas comporta uma metodologia.
No âmbito do IPHAN a conexão entre educação e patrimônio continua a ser tratada por meio do termo educação patrimonial. Se a expressão começou no museu é necessário considerar que atualmente está além, com uma multiplicidade de ações educativas que utilizam o patrimônio como elemento de mediação.
A luta pelo direito à memória, ao espaço e à cidade deve ser de todos. É preciso atender as demandas sociais entendendo que o patrimônio é das pessoas e considerando o que estas têm a dizer. Do ponto de vista da apropriação do espaço, as lutas e os movimentos têm mostrado que grupos sociais não raramente entram em choque com a lógica de proteção do espaço. Isto porque muitas vezes os sujeitos da preservação são uma elite que reproduz a lógica do capital.
Scifoni (2013) aponta que no Brasil algumas experiências de preservação têm-se apresentado como fruto de ações estadistas, mas que contraditoriamente, também é resultado de construções sociais a partir da organização e pressão de determinados grupos sociais que tiveram êxito na inserção de seus bens e suas memórias nesse conjunto.
A partir dos anos 2000 o IPHAN busca uma democratização do patrimônio com a criação de novos instrumentos e publicações, ao passo que na década anterior este órgão foca os esforços de proteção no que é monumental. Apesar de haver a necessidade de continuidade das ações, é evidente a lacuna no que se refere a um estudo sistemático das ações do IPHAN e das secretarias de cultura. É necessário conhecer os processos, debater e verificar como se dá a articulação das decisões.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
influência francesa no entendimento do patrimônio brasileiro, sobretudo na
legislação, apresenta-se ainda hoje como principal referência para a
preservação, influenciando as tipologias do que deve ser prioridade de
preservação e nem sempre correspondendo à realidade do povo brasileiro.
O
patrimônio cultural da cidade deve ser abordado sob a ótica de uma teoria da
urbanização que seja abrangente, interdisciplinar e dê conta de tratar das
totalidades por meio de metodologias inovadoras. Assim sendo, é necessário que
os monumentos protegidos façam parte da cidade e estabeleçam com seus cidadãos
um vínculo histórico.
Por
ser uma construção social, a ideia de patrimônio necessita ser tratada sempre como
parte da cultura. A questão das centralidades das culturas dos países avançados
deve ser, no Brasil, vista com ressalva, pois o contexto socioeconômico e
cultural dos países desenvolvidos é diferente do panorama brasileiro e muitas
vezes a generalização conceitual do patrimônio como algo homogêneo evidencia
ainda mais as contradições.
A
educação patrimonial é um campo ainda em construção no Brasil. Embora o termo
tenha surgido a partir de uma publicação e seja fruto de uma experiência
externa, a relação patrimônio e educação apresenta-se como um desafio para os
gestores culturais e para o universo acadêmico-científico no que tange ao
desenvolvimento de melhores práticas de conservação, restauro e, sobretudo, que
incorporem participação popular nos processos de (re)conhecimento patrimonial.
Por meio da relação entre educação e patrimônio pode-se avançar no conhecimento
da história em diversas escalas, melhorando a vivência humana nas cidades e
possibilitando a criação de vínculos com o lugar.
REFERÊNCIAS
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ARANTES, O.; VAINER, C.;
MARICATO, E. (Orgs). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
Petrópolis: Vozes. 2000.
BRASIL.1937a. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/l0378.htm
BRASIL. 1937b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm
CHAGAS, M. Educação, museu e
patrimônio: tensão, devoração e adjetivação. Revista Eletrônica do IPHAN. Nº.3. p.1-7. 2006.
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2001.
CHUVA, M. Por uma história da
noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista
do IPHAN. Nº.34. 2011.
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patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global.
In: ARANTES, A. A. (Org.). O espaço da diferença. (p.257-287). 2000.
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uso: cotidiano e modo de vida. Cidades.
Revista Científica Grupo de Estudos Urbanos. Presidente Prudente. Vol.1,
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SILVA, A. Impacto do turismo
sobre o patrimônio histórico-cultural de Ouro Preto e Mariana. Revista eletrônica de gestão.
Disponível em: http://www.revistaadm.mcampos.br/EDICOES/artigos/2010volume7/angelasilvaimpactoturismopatrimoniohistoricoculturalouropretomariana.pdf . Acesso em 05 de dezembro de 2015.