A Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tem desenvolvido importantes projetos,
iniciativas, movimentos e esforços para melhorar a vida das pessoas e favorecer
um mundo melhor. O tema “Alfabetização Midiática e Informacional: novos
paradigmas para o diálogo intercultural” é atual e extremamente necessário.
Sendo um evento global realizado aqui na Universidade de São Paulo nesta
semana, me inscrevi para participar da VI Conferência da Rede UNESCO-UNAOC
MILID UNITWIN e teço abaixo algumas opiniões ligadas ao tema de maneira direta
ou indiretamente. A USP é uma das universidades-membros que compõem a rede
internacional de universidades MILID, cujas pesquisas feitas em parcerias buscam
capacitar as pessoas no campo da alfabetização midiática e informacional e
reforçar sua participação por meio de sistemas livres e independentes.
Entender a alfabetização como o domínio
formal da tecnologia, da mídia e da informação em sua forma primária, tem sido
fundamental para a cultura na complexa conjuntura que diz respeito não apenas
às fronteiras entre natureza e sociedade, mas também à emancipação do sujeito.
A relação da humanidade com a tecnologia sempre foi, ainda que em proporções
desiguais, desde os tempos imemoriais, simbiótica. Ao serem moldadas as
técnicas e ferramentas, como num eco, somos também moldados; e isto é refletido
no nosso dia-a-dia.
Aparelhos eletrônicos digitais parecem
constituir parte de nossas redes neurais e sentidos. Há quem não consiga ficar
sem um celular, sem acesso à internet e mesmo sem uma televisão ou rádio. Uma
avalanche de informações é a cada minuto lançada no universo midiático e
informacional e precisamos lidar com isso, pois pode ser desgastante, ainda
mais em momentos de trabalho e lazer, se deparar com dados inesperados e desagradáveis.
Todavia, como usar a informação que nos
chega para, na prática, transformar nossas vidas? O que aproveitar? Empoderar-se
e empoderar pessoas por meio da alfabetização midiática e informacional é um
desafio, mas o primeiro grande obstáculo para isto é que não é tarefa fácil,
num país subdesenvolvido, suprir a necessidade de aparelhos digitais, ainda
caros e inacessíveis para a maior parte da população. Muita gente no Brasil
sequer sabe ler e escrever. Lembro-me bem que, apesar disto, quando atuei num
projeto de capacitação para alfabetizadores no interior da Bahia em 1999, meus
alunos da terceira idade e tutores do curso realizado na Universidade do Estado
da Bahia, já se mostravam interessados pela globalização da informação e pela
até então utópica possibilidade de acesso ao mundo virtual da comunicação, que
na época era apenas anunciada na TV. A utopia virou realidade e a geografia da
internet no Brasil se ampliou vertiginosamente. Os pilares e as dinâmicas desse
fenômeno foram discutidos noutra ocasião, em curso promovido pela Associação
dos Geógrafos Brasileiros em 2004 durante um Congresso Brasileiro de Geógrafos, em
Goiânia. O acesso à tecnologia, à informação e aos dados disponíveis na rede
cresce em todos os cantos do mundo. À última geração pode
parecer que toda essa tecnologia é antiga e há muito faz parte de nossa
sociedade. Nascemos com a necessidade de comunicação e nossos perfis na internet
são quase como registros de nascimento.
A Conferência que começa hoje e a primeira
Assembleia Geral da GAPMIL, com a aguardada Declaração de São Paulo sobre
Alfabetização Midiática e Informacional, poderão nos auxiliar na elaboração de
projetos mais ousados, sem dúvida. A partir de uma declaração e dos resultados
de eventos como estes, analisados à luz das propostas e dos avanços das outras
edições passadas, ter-se-á um norte a seguir na proposição de ideias e políticas
públicas inclusivas no campo da mídia e da informação.
O que Fez, Barcelona, Cairo, Pequim,
Filadélfia e São Paulo tem em comum além de serem grandes cidades inseridas no
turismo internacional? - Elas sediaram, desde 2011, edições desse importante evento
criado pela UNESCO. Pesquisei e encontrei iniciativas em alfabetização
midiática e informacional nos países onde se localizam essas cidades. São
vários os exemplos de esforços observados aqui na Universidade e em outros
lugares do Brasil.
Uma das propostas de projeto voluntário de educação ambiental crítica que iniciamos há alguns meses na
cidade de Americana, interior do estado de São Paulo, em consonância com as declarações
das conferências passadas, aponta para a necessidade das pessoas exercitarem a
criatividade e usar as redes complexas de maneira crítica, de modo a, junto ao
Poder Público e outras entidades, contribuir para a melhoria da qualidade do
lugar, uma unidade de conservação de proteção integral que se configura em
diversos aspectos como área de conflito. Fotografar, filmar, gravar depoimentos
e compartilhar isso em canais importantes de comunicação é uma forma de
pressionar as autoridades a cumprirem os princípios de desenvolvimento sustentável;
além de chamar a atenção para a comunidade local, que é estimulada a criar
mídias e obras para serem expostas em dois momentos do projeto. A ação faz
parte de um processo de empoderamento.
Outra experiência que está ligada à
alfabetização midiática e informacional e ao empoderamento dela decorrente é a
dos tibetanos. Estes têm usado a internet para mostrar sua cultura milenar e,
lamentavelmente, as atrocidades cometidas pelas autoridades policiais chinesas
em sua nação. Destruição de templos religiosos, torturas, perseguições e
assassinatos são amplamente fotografados, filmados e transformados em mídia
instantânea para todo o mundo. Informações são compartilhadas por sites
importantes e pela sociedade civil organizada. Se como indivíduos, pouco
podemos daqui fazer, além de rezar pela paz, efetuar doações monetárias e
assinar petições públicas, pode-se ampliar a informação, fazê-la chegar aos que
transitam pelo espaço cibernético em todo o mundo e formar opiniões. A história
de muitos países foi escrita por uma elite minoritária e, entretanto, com o
advento e desenvolvimento da tecnologia da informação no atual estágio,
qualquer pessoa pode ser autora da própria vida e (re)escrever a história do
lugar onde vive.
Quando nos dispomos a estabelecer redes
virtuais, não apenas adicionando, aceitando contatos ou compartilhando
conteúdos sobre diversos assuntos nos mais distintos canais da internet, estamos
nos abrindo para um mundo ainda desconhecido e recente. Passamos a compartilhar
desejos, gostos, visões, opiniões e, desta forma, a propor uma outra narrativa,
um outro paradigma. Passamos e mostrar alguns modos de vida e a tomar
conhecimento de outros. Esse diálogo intercultural é rico e desejável em todo o
planeta. Vivemos em redes físicas e digitais onde o que mais se quer é a
interação.
O acesso à informação tem sido cada vez
mais democrático, mas ainda está longe de alcançar patamares ideais. Se buscarmos
informações ou mídias sobre determinado assunto, a depender do canal de busca, normalmente
pesquisamos por palavras-chave no idioma de interesse. O resultado de busca no
Google, citando um dos mais importantes canais de pesquisa do mundo, é um leque
indescritível de informações, culturais, artísticas, científicas ou de qualquer
outra natureza. Eis a questão: o que fazer com isso e como empreender?
Com acesso à internet dá para explorar
infinitas possibilidades de formação de redes. Por meio da análise de gráficos
de acesso a este blog, por exemplo, é possível verificar qual aparelho foi
usado para acessá-lo e qual a localidade. À distância do espectador e pela
internet é possível apresentar parte do cotidiano e da vida, ensinar, aprender,
conhecer experiências e se inspirar. Por meio do acesso às redes e às pessoas a
elas conectadas pode-se envolver em diversas questões específicas ou gerais,
trocar ideias, militar por uma causa e ampliar o campo de visão na vida
prática.
É possível realizar cursos, superiores
inclusive, à distância do espaço físico da escola com acesso à internet. Alguns
são gratuitos e para isto basta um aparelho que possibilite fazê-lo. Obviamente
que nada se compara ao encontro real, mas na impossibilidade, a importância da
rede virtual é, por si só, muito grande e indiscutível. A complexidade dos
fenômenos requer que não seja excluída a complementaridade entre os fatores.
O mundo está se tornando digital. O
analógico está virando coisa de museu, de entusiasta, de artista, de
colecionador. Hoje em dia criamos a arte, a fotografia, o livro virtual, a
postagem, o videogame. Levantamos, elaboramos a informação e a transformamos em
arquivos (relatórios, álbuns, ensaios, multimídias etc.). Quando disponíveis
on-line, a depender das categorias de linguagem e dos tipos de suporte, podem
ser estabelecidas comunicações efetivas entre o “criador do produto” e o “consumidor”
em qualquer lugar da Terra. A arte digital e seus processos de restauração
exigem, por seu turno, muito mais do que a alfabetização.
Surge então a necessidade do
monitoramento e aperfeiçoamento contínuos. A julgar pelos temas que serão tratados,
evidencia-se ainda mais a importância de uma conferência como esta que acontece
aqui na USP e que tem como ponto de partida o primeiro contato com o universo midiático
e informacional, a chamada “alfabetização”.
Matematicamente, a rápida dinâmica das
linguagens digitais requer conhecimentos técnicos, conceituais e específicos,
que transformem o obsoleto no novo com base em programações algorítmicas mais inteligentes
capazes de recriar as bases de dados e de serem analisadas por diferentes
ângulos. Apenas para ilustrar, o mercado de videogames é um dos que mais
faturam no mundo. Os aplicativos interessantes e acessíveis ao público também
se constituem num excelente filão do mercado na atualidade. Já chegamos a
imaginar para diversos lugares, sempre incluindo como produto de projetos “acadêmico-científicos”,
formais ou voluntários, o quão eficiente seria a criação de um game ou aplicativo
que mostre a história e curiosidades animadoras capazes de amalgamar o usuário
da mídia com o lugar representado. Uma cidade histórica, um parque natural, um
ambiente cultural.
Como superar um paradigma e avançar?
Somos referência em tecnologias da informação e brasileiros são criativos no
que fazem, mas quase sempre nos esbarramos na falta de recursos humanos e financeiros
para a realização de projetos. Diálogo é uma maneira de ação e nosso papel como
educador é, em todo caso, o de propositor, ainda que não levemos as ideias até
o fim.