Americana, 08 de agosto de 2016.
Carta aberta à
sociedade americanense, à sociedade paulista, à sociedade brasileira, ao
Ministério Público do Estado de São Paulo, à Justiça Federal e aos gestores municipais
de áreas naturais protegidas sobre o Parque Natural Municipal da Gruta[1].
O
Parque Natural Municipal da Gruta, situado no município de Americana, estado de
São Paulo, é uma unidade de conservação de proteção integral de acordo com o
Decreto 6.980/06, alterado posteriormente pelo Decreto 7.003/06. Entretanto,
apresenta diversos impactos socioambientais negativos como, por exemplo, o
lançamento de esgotos sem tratamento nos corpos d’água, descarte de lixo,
entulho e desflorestamento, sobretudo em sua zona de amortecimento.
Numa
das áreas mais sensíveis do Parque, situada à margem direita da primeira e
maior queda d’água da unidade de conservação e onde forma-se a gruta,
precisamente na continuidade da Avenida Tietê em confluência com a Rua Benedito
das Chagas, há uma série de irregularidades. Denominada como quadra 5 no
processo original de loteamento do bairro São Roque, caracteriza-se como zona
de amortecimento.
Zona
de amortecimento é a área situada na borda de uma unidade de conservação
(municipal, estadual ou federal) e tem como objetivo filtrar e diminuir
impactos negativos de atividades antrópicas que ocorram fora dela. Definida
pelo artigo 2º da Lei 9.985/2000[2]
(lei que regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I,
II, III e VII da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza), inciso XVIII, zona de
amortecimento é “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades
humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de
minimizar os impactos negativos sobre a unidade”.
O
artigo 25 da Lei 9.985/2000 estabelece que “unidades de conservação, exceto
Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem
possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores
ecológicos”. De acordo com os respectivos parágrafos 1º e 2º do artigo 25 da
mencionada Lei, “o órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá
normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de
amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação” e “os
limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas
normas de que trata o § 1º poderão ser definidas no
ato da criação da unidade ou posteriormente”.
Segundo o § 1º do artigo 27 da Lei do SNUC, “o Plano de Manejo
deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os
corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à
vida econômica e social das comunidades vizinhas”.
O artigo 36 dessa Lei deixa claro que “nos casos de licenciamento
ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim
considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado
a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de
Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta
Lei”. Em seu parágrafo 3º estabelece que “quando o empreendimento afetar
unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento
a que se refere o caput deste artigo
só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua
administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de
Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida
neste artigo”.
O parágrafo único do artigo 46 desta Lei (que estabelece que “a
instalação de redes de abastecimento de água, esgoto, energia e infra-estrutura
urbana em geral, em unidades de conservação onde estes equipamentos são
admitidos depende de prévia aprovação do órgão responsável por sua
administração, sem prejuízo da necessidade de elaboração de estudos de impacto
ambiental e outras exigências legais) diz que “esta mesma condição se aplica à
zona de amortecimento das unidades do Grupo de Proteção Integral, bem como às
áreas de propriedade privada inseridas nos limites dessas unidades e ainda não
indenizadas".
O artigo 49 estabelece que “a área de uma unidade de conservação
do Grupo de Proteção Integral é considerada zona rural, para os efeitos
legais”, complementando em seu parágrafo único que “a zona de amortecimento das
unidades de conservação de que trata este artigo, uma vez definida formalmente,
não pode ser transformada em zona urbana”.
Por fim, o artigo 57-A da Lei em questão (Lei 9.985/2000) define
que “o Poder Executivo estabelecerá os limites para o plantio de organismos
geneticamente modificados nas áreas que circundam as unidades de conservação
até que seja fixada sua zona de amortecimento e aprovado o seu respectivo Plano
de Manejo”.
A área situada à margem direita da primeira e maior queda d’água
do Parque Natural Municipal da Gruta vem sendo degradada com o auxílio de
tratores e está passando por processo de divisão dos lotes sem considerar a Lei
supracitada.
Conforme constatado em diversas visitas in loco, trata-se de uma área de transição do Cerrado em
regeneração para a Mata Atlântica e compreende a zona de amortecimento do
Parque. Isto se constitui, além de crime ambiental, num desrespeito à unidade
de conservação e à capacidade de resiliência do Parque já bastante degradado.
Outro agravante é que diversas plantas do Cerrado foram arrancadas
e estão sendo soterradas, como verificado e registrado fotograficamente no dia
08 de agosto de 2016. Este fato também não leva em conta a Lei 13.550[3], de 2 de junho de 2009,
que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Cerrado
no Estado de São Paulo, dando providências correlatas.
De acordo com o artigo 4º da Lei de Proteção do Cerrado,
mencionada no parágrafo anterior, “é vedada a supressão da vegetação em
qualquer das fisionomias do Bioma Cerrado nas seguintes hipóteses: ... Inciso
IV – Localizada em zona envoltória de unidade de conservação de proteção
integral e apresentar função protetora da biota da área protegida conforme
definido no plano de manejo”. O Cerrado é o bioma mais antigo da Terra e no
Estado de São Paulo resta apenas 0,013%[4], merecendo que todo e
qualquer fragmento de vegetação, ainda mais quando situado próximo a uma
unidade de conservação, seja preservado.
Convém pontuar que a atual configuração dos lotes não respeita a
planta original, sendo ela subdividida, certamente negligenciando as leis. E,
segundo informações de moradores do entorno, é prevista a construção de quatro
edifícios na área supracitada, um dos motivos pelos quais a zona de
amortecimento do Parque vem sendo destruída.
CONCLUSÃO
Por
meio desta carta aberta, viemos denunciar o descaso recorrente da gestão
pública e de proprietários particulares com o Parque. Apelamos para que as
autoridades de todas as instâncias intervenham efetivamente para que a área do
Parque e a zona de amortecimento sejam integralmente recuperadas; que a
população e prefeitura parem imediatamente de lançar todo tipo de resíduos
humanos na área, evidenciando o eminente risco de perda irreversível desse
patrimônio natural; e que o setor privado não construa casas e edifícios na
frágil zona de amortecimento do Parque, área de Cerrado, que deve ser
recuperada.
Entendemos
que, diante do atual cenário de degradação, é dever moral, ético e legal que a
administração pública salvaguarde esse patrimônio, com ricos componentes da
flora e fauna do Cerrado paulista e da Mata Atlântica, bem como seu valor
paisagístico, geológico, científico, cultural e educacional; singularidades de
gabarito regional que justificam a proteção integral e o manejo adequado. É
necessário que a polícia ambiental tenha uma atuação mais efetiva, que os
ministérios públicos sejam mais sensíveis à relevância do Parque, que seja
ampliada a fiscalização dos recursos destinados à área com implementação urgente
de ações de preservação.
As
Imagens 1 e 2 mostram as raízes dos biomas Cerrado e Mata Atlântica arrancadas
recentemente da zona de amortecimento do Parque Natural Municipal da Gruta. Ao
que tudo indica, essas raízes serão soterradas tal como observado noutras áreas
do Parque.
Imagem 1 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
Imagem 2 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
As
Imagens 3 e 4 revelam como a vegetação tem sido destruída e soterrada pelo
atual proprietário da área situada na zona de amortecimento do Parque.
Imagem 3 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
Imagem 4 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
As
Imagens 5 e 6 mostram algumas plantas em regeneração na zona de amortecimento
do Parque.
Imagem 5 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
Imagem 6 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
As
Imagens 7 e 8 apontam o deslocamento de terra para o talude da margem direita
da primeira e maior queda d’água do Parque Natural Municipal da Gruta e um
processo de erosão também verificado em outros pontos.
Imagem 7 - Foto: Joviniano Netto, 08/08/2016.
Imagem 8 - Foto: Fábio Ortolano, 08/08/2016.
A
Imagem 9 retrata o aspecto geral da zona de amortecimento do Parque tratada
nesta Carta. A área de Cerrado encontra-se em regeneração, mas apesar disto,
está em processo de destruição por conta da intervenção humana.
Imagem 9 - Foto-montagem panorâmica: Joviniano Netto, 08/08/2016.
[1] Disponível em: http://amigosdagruta.blogspot.com.br/2016/08/carta-aberta-sociedade-americanense.html. Acesso em 08 de agosto de 2016.
[2] Disponível
em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=322.
Acesso em 08 de agosto de 2016.
[3]Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/lei-13550-02.06.2009.html. Acesso em 08 de agosto de 2016.
[4] Laboratório de Processamento de
Imagens e Geoprocessamento da UFG. Disponível em: https://www.lapig.iesa.ufg.br/lapig/.
Acesso em 08 de agosto de 2016.
[3]Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/lei-13550-02.06.2009.html. Acesso em 08 de agosto de 2016.