quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Um olhar geográfico sobre Araraquara, Mário de Andrade e a experiência do campo

São múltiplas e variadas as possibilidades de se conhecer o “ambiental”, possibilidades estas que propiciam um (re)encontro da Natureza, da cultura, do amor e da poética com o mundo. As pessoas poderiam se dar conta de que a arte, a poesia e a ciência são campos do real. Basta ler um pouco da obra de Guatarri e Deleuze para descobrir que é possível experimentar determinado campo do saber de maneira rizomática.

O Centro Cultural Prof. Waldemar Saffioti, da UNESP-Araraquara, volta e meia desperta minha atenção sempre que vejo de longe as árvores centenárias e as palmeiras imperiais, como uma ilha de verde em meio ao mar de telhados antigos do bairro do Carmo, e que certamente serviram de inspiração a Mário de Andrade (1893-1945) para escrever Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, em apenas seis dias (1927). O enredo não se passa na antiga chácara e dizem as línguas bifurcadas que o livro foi escrito numa banheira. Ele não era mesmo uma pessoa comum.

Macunaíma é uma obra-prima do Modernismo brasileiro e seu personagem foi criado pra retratar as pessoas libidinosas, malandras, preguiçosas e sonhadoras. O uso de algumas lendas folclóricas e indígenas, aliado ao desenrolar de um índio que sai da floresta amazônica e vai a São Paulo buscar seu talismã (muiraquitã) outrora furtado, e que se encontra em poder de um mascate peruano, pode fazer deste livro, muito lembrado pelos vestibulandos, um verdadeiro delírio em leitura de fim de semana.

A natureza jamais será descrita como cenário e apresentada como documento, mas nem por isso devemos desprezar o poder de nossa imaginação ao ler textos bem escritos e principalmente, buscar uma associação com o palco onde se dão as relações com o próximo e com o meio, seja natural e/ou urbano, como é o caso de Macunaíma, e que de certa forma me faz sentir a Geografia viva dentro de mim, cada vez mais.

Araraquara é uma cidade linda, cheia de árvores e contrastes com algumas ruas sem verde e personagens anônimos que lembram Macunaíma. Percebi isso quando vi trabalhadores rurais na prefeitura solicitando auxílio por terem perdido sua casa na roça para latifundiários, como num furto. Devido às possibilidades de conhecê-la e penetrá-la em sua área rural, propiciadas pela pesquisa de mestrado que realizei em 2008 e 2009, e que me fizeram sonhar em meio a um canavial com uma única árvore chamando a atenção para o fato de que ali já houve mata e gente, é perfeitamente possível e desejável preparar o espírito antes de ir a campo, e ir consciente da importância de se surpreender com algum inesperado amálgama de ciência, arte, história e cultura.